Saúde

Psiquiatra defende uso da maconha para fins medicinais, mas critica proibição do cultivo: “População mais carente não vai ser beneficiada”

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta terça-feira (3) regulamento para a fabricação, importação e comercialização de medicamentos derivados da Cannabis, popularmente conhecida como maconha. A norma será publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias e entrará em vigor 90 dias após a publicação. Para a médica psiquiatra Ana Hounie, que trabalha com a cannabis medicinal há quatro anos, a aprovação pode representar menos tempo de espera para quem precisa dos remédios.

“O lado bom é que atualmente a gente faz a importação desses produtos, e isso exige um processo na Anvisa que leva dois meses para sair a aprovação, depois mais 15 a 20 dias para o produto chegar. Então três meses é um tempo longo de espera para pacientes que são, muitas vezes, graves e precisam da medicação com urgência”, afirma.

O medicamento só poderá ser comprado com prescrição médica, e a comercialização vai ocorrer exclusivamente em farmácias e drogarias sem manipulação. Apesar da liberação da venda, a diretoria da Anvisa decidiu arquivar a proposta que previa autorizar o plantio da maconha por empresas para fins medicinais. A médica Ana Hounie diz que essa é a parte ruim da medida, pois desfavorece a população de baixa renda.

“O preço dos remédios vai continuar alto, porque são medicações caras, devem ser medicações importadas. O cultivo não foi aprovado, então a população mais carente, que não tem condições de arcar com esses custos não vai ser beneficiada por essa regulamentação. Isso provavelmente vai onerar o Estado, porque a judicialização vai ser exercida, as pessoas vão começar a processar seus planos de saúde e o Estado para trazer a medicação”, argumenta.

A médica acredita que o cultivo da maconha para fins medicinais continuará sendo feita, apesar da proibição, o que caracterizar desobediência civil. “O que elas estão fazendo não é um crime. Elas estão simplesmente produzindo medicação para seus familiares, filhos com epilepsia refratária, parentes com câncer que morrem de dor e não conseguem tolerar a morfina ou outras medicações. Então isso vai continuar acontecendo”, diz.

Ana Hounie relata o sucesso do uso da Cannabis medicinal no tratamento de pacientes com demência, mal de Parkinson, doença de Huntington, paralisia supranuclear progressiva, fibromialgia, epilepsia refratária e doenças neurodegenerativas. “Não tem nada na medicina tradicional que se equipare à eficácia da Cannabis nesses casos. Doenças autoimunes, doenças psiquiátricas como depressão e ansiedade. É praticamente infinita a lista de benefícios”, explica.

As empresas produtoras devem apresentar um plano de gerenciamento de risco e estudos clínicos sobre o produto, e que tenha resultados positivos. A norma impede a produção de cosméticos, alimentos e cigarros. Mesmo assim, para a psiquiatra Ana Hounie, a medida só beneficia quem tem mais dinheiro para adquirir os medicamentos. “A gente vai

continuar beneficiando as pessoas ricas que têm dinheiro para comprar remédio na farmácia”, conclui.

Ana Hounie possui graduação em Medicina pela Universidade Federal de Pernambuco (1994) e doutorado em Ciências, na área de Psiquiatria pela Universidade de São Paulo-FMUSP (2003). É membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e fez pós-doutorado na Faculdade de Medicina da USP.

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